domingo, 18 de fevereiro de 2007

Porque me cativaram...

XXI
Foi então que apareceu a raposa.
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu delicadamente o principezinho, que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui, disse a voz, sob a macieira.
- Quem és tu? perguntou o principezinho. És bem linda....
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, disse o principezinho. Estou tão triste...
- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Mas, depois de ter reflectido, acrescentou:
- O que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa, o que é que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É bem incómodo! Também criam galinhas. É a única coisa interessante que fazem. Estás à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho, procuro amigos. O que é que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços...".
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim não passas ainda de um rapazinho muito parecido com cem mil rapazinhos. E não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Para ti sou apenas um raposa semelhante a cem mil raposas. Mas, se me cativares, teremos necessidade um do outro. Para mim serás único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o principezinho. Há uma flor... creio que ela me cativou...

(...)

- A minha vida é monótona. (...) Por isso aborreço-me um pouco. Mas se me cativares a minha vida ficará como que iluminada pelo sol. Conhecerei um ruído de passos que será diferente de todos os outros. Os outros passos fazem-me meter debaixo da terra. Os teus, chamar-me-ão para fora da toca como uma música. E além, olha! Vês, além, os campos de trigo? Não me alimento de pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E isso é triste! Mas tu tens os cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado! O trigo, que é dourado, far-me-á lembrar de ti. E amarei o som do vento no trigo...
A raposa calou-se e olhou muito tempo o principezinho.
- Por favor... cativa-me! disse ela.
- Gostava de o fazer, respondeu o principezinho, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para conhecer.
- Só se conhecem as coisas que se cativam, disse a raposa. Os homens já não têm tempo para conhecer o que quer que seja. Comprar coisas feitas nos comerciantes. Mas como não existem comerciantes de amigos, os homens já não têm amigos. Se quiseres ter um amigo, cativa-me!
- O que é que é preciso fazer? disse o principezinho.
- É necessário ser paciente, respondeu a raposa. Sentas-te primeiro um pouco longe de mim, assim, na erva. Eu olhar-te-ei pelo canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, poderás sentar-te um pouco mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Era preferível teres voltado à mesma hora, disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro da tarde, a partir das três começarei a sentir-me feliz. Quanto mais a hora avançar, mais me sentirei feliz. Chegadas as quatro horas já estaria agitada e inquieta; descobriria o preço da felicidade! Mas se vieres a qualquer hora, ficarei sem saber a que horas hei-de vestir o meu coração... Os rituais são necessários.
- O que é um ritual? disse o principezinho.
- É também qualquer coisa de demasiado esquecido, disse a raposa. Aquilo que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora das outras horas. Há, por exemplo, um ritual que é praticado pelos meus caçadores. Dançam às quintas-feiras com as raparigas da aldeia. Por isso a quinta-feira é um dia maravilhoso! Eu vou passear até à vinha. Se os caçadores dançassem num dia qualquer, os dias seriam todos parecidos e eu não teria férias.
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da partida:
- Ah! disse a raposa... Vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria que te acontecesse nada de mal, mas quiseste que te cativasse...
- É certo, disse a raposa.
- Mas vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então não ganhas nada com isso!
- Ganho, disse a raposa, por causa da cor de trigo.

(...)

- (...) Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como era a minha raposa. Era uma raposa parecida com cem mil outras. Mas fiz dela minha amiga e agora ela é única no mundo.

(...)

E voltou para junto da raposa:
- Adeus, disse...
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se pode ver bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
- O essencial é invisível aos olhos, repetiu o principezinho de modo a poder recordar-se. (...)

in "O Principezinho"
de Antoine de Saint Exupéry



"O Principezinho"
.... Recebi este livro com sete anos... e na altura li-o pela primeira vez... li-o como um outro livro qualquer... acho que não vi a essência dele logo ali!!! Mas ao longo dos anos e de várias re-leituras comecei as perceber estas palavras tão simples...as palavras inocentes de uma criança...que sem pensar demasiado diz tudo... as palavras que vestem o coração!!!
E se elas me acompanharam grande parte da minha vida sei que hoje, mais do que nunca, me fazem sentido... são elas que dizem o que sinto... sem complicações... com a mesma simplicidade de um sorriso sentido... com a simplicidade de uma criança.... E que saudades de ser criança... de ser assim simples... ingénua... verdadeira!!!
Mas será que alguma vez o fui?? Será que sim?? Assim tão ingénua?? Acho que não...a vida não me deixou... obrigou-me a crescer demasiado depressa!!! Então ficou o livro... essa porta que me leva onde nunca estive... na infância...assim tão infantil como esta aqui escrita!!!
Sei que sou como a raposa... um dia fui cativada!!! E hoje choro por isso mesmo...porque fui cativada! Sou como a raposa... porque fico agitada e inquieta com o passar das horas... com a chegada do momento... o momento em que descobrirei o preço da felicidade!
Sei que sou como o principezinho.... aprendi que o essencial é invisível aos olhos... que só se vê bem com o coração!
Sei que não sou como os homens... porque quero conhecer...porque quero cativar... e ser cativada... e não quero comprar "coisas feitas nos comerciantes"...quero ser eu a fazer essas "coisas"... as construi-las!!

Porque criei laços...
Porque vos preciso...
Porque quando me deito olho pra cima e vos vejo...
Porque quando fecho os olhos, faço-o a sorrir...
E a sorrir vou até à terra dos sonhos...
Onde encontro quem quero...
Quem me cativou....
Porque continuo a dormir... a sonhar... a sorrir...
Porque acordo a sorrir...
E olho pra cima... e lá está quem me faz sorrir sempre...
E me levanto e sei que é hora de "vestir o coração"...
Porque as horas passam... e eu fico cada vez mais inquieta...
Porque chegada a hora... procuro quem sei que lá vai estar...
E corro...e estico-me por cima de cem mil pessoas... e espreito...
À procura dessa pessoa... entre cem mil outras pessoas...
E se ela não está lá, como eu esperava...como eu sonhava...fico triste!
Porque sei que vai chegar a hora dos Bons Dias apertados!!!
Aqueles que se sentem como se não nos víssemos há meses...
Porque sei que por mais difícil que tudo possa ser tenho sempre um sorriso à minha espera....
Um beijo... Uma presença indiscutivelmente essencial....
Porque quero ser de novo a criança que nunca fui....
Porque quero sentir como sentem as crianças....
Porque me cativaram....
Porque vos adoro.... assim.... tanto tanto.....
Porque se tornaram únicos no mundo para mim!

" Então sinto-me feliz. E todas as estrelas riem suavemente."
Quero ser uma criança... Porque quero sentir isto assim... "E nenhuma pessoa crescida compreenderá nunca como isso pode ter tanta importância!" =) ***

1 comentário:

Pluma disse...

Estou sem palavras....
Nunca tive oportunidade de ler o livro, mas pelo excerto que aqui escreveste dá para perceber a profundidade da história...
Sem dúvida todos nós fomos cativados por ti e cada vez mais estamos a sê-lo!!!
Espero que a criança inocente e ingénua que existe em todos nós nunca morra para que possamos ser verdadeiros e identificar-nos entre "cem mil pessoas"...
O que sinto por ti e por todos, para além de ser invisível aos olhos,não pode ser descrito por palavras, mas acredita que me faz sorrir e é cada vez mais importante e mais forte e faz cada vez mais sentido...
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