domingo, 4 de março de 2007

O lugar que vos quero mostrar...

Ali
Naquele lugar
No meu canto
Que me encanta
Naquela fotossíntese
Com o sol
Com tudo o que rodeia
Pedras
Flores
Pássaros, num chilrear desenfreado
O grito da natureza
O grito do mais puro
Do mais simples e belo
O meu grito
Por tudo o que sinto falta
Neste antro de fumo
Onde tudo é escuro
Nesta selva de cimento
Onde ninguém se ouve
Onde o silencio tem ruído
Onde o ruído incomoda
Onde o incómodo não é ouvido.

É ali…
Naquele lugar
Onde me vejo
Onde me revejo
Onde a vida se funde com o ar
Onde o ar sussurra e arrepia
Onde a chuva molha de mansinho
E limpa tudo o que a escuridão sujou
O corpo
A alma
O coração

Ali
Onde as flores namoram o sol
Se dirigem a ele quando nasce
Lhe piscam as pétalas ao deitar

Ali
Onde tudo o que nasce é bem-vindo
Onde tudo o que morre é sentido

Neste que parece ser o lugar perfeito
No desejado pedregulho do miradouro
Neste culminar da perfeição
Também as flores
E os pássaros
E as gentes
E os ares
E o sol
Morrem….
E o espírito anoitece com eles
E a alma volta a realidade
E o corpo volta a sentir o áspero do cimento
E eu volto a não saber
Ou a saber
Ou a nem sequer imaginar
Quanta falta aquele lugar me faz

A lua vem-me deitar
Adormeço e sonho
Acordo e vivo
Sinto e espero
Por um dia lá voltar a viver
Por um dia o rever
Por um dia ele me dizer
Que é lá que pertenço
Que nunca de la saí

Do cimo daquela pedra vi tudo
O rio
As flores
As serras
Os bichos
Os sons
Os ventos
As casas

Vários mundos
Vários monstros
Várias vidas

Do cimo daquela pedra vi
E voltei a olhar
E voltei a ver
Fechei os olhos
E continuei a ver
Porque todo aquele som do silêncio me bastava
Para sentir tudo o que ali estava
Para correr em todas aquelas serras
Sentir a erva molhada do prado
Tocar no pássaro pousado no meu ombro
E cantar com ele
Tocar nas velhas e sábias árvores
Mandar uma pedra ao rio
E ver as ondas que acordaram os peixes
Colher uma flor
Sentir o seu cheiro
O leve orvalho da folha
A tal marca da noite
Que o dia vem roubar

Dou o bom dia ao cacto
E colho um pico para levar no bolso

É o que faz sentir
Acreditar que pode haver amanha
Que o ontem existiu
Mas passou!
Que o amanha virá
E com ele o sol
Que roubará o orvalho à flor
E o mistério à noite

Abro os olhos
Vejo o sol
Não vejo tudo o que vi antes
Não sinto o que senti
Não toquei no que não vi
Não trouxe o que colhi…
Tudo isto em sonho…
Tudo isto assim…

Ali
Naquele lugar
Agora
De olhos abertos
Vejo diferente
Vejo o hoje

A gota de orvalho desapareceu
Mas a flor ficou

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